SÃO LOURENÇO DA MATA (PE), SÃO PAULO e RIO — A empresa que pagou as
despesas operacionais do avião usado pelos candidatos do PSB à Presidência,
Eduardo Campos e Marina Silva, nos primeiros meses de campanha eleitoral,
funciona em uma casa simples na periferia de São Lourenço da Mata, na Região
Metropolitana de Recife. Registrada oficialmente como firma de vigilância, a
Lopes & Galvão Ltda. aparece como pagadora de serviços de parqueamento e
atendimento para a aeronave PR-AFA, prestados pela Líder Táxi Aéreo. (Veja o
infográfico e entenda o caso)
O GLOBO localizou Genivaldo Galvão Lopes e Luciene Lindalva Lopes, donos
da empresa, na casa onde vivem há pelo menos uma década e que funciona como
sede da empresa, no bairro Tiúma, antiga vila operária da cidade. Primeiro, os
dois negaram ter pagado despesas da aeronave, dando a entender que a firma
deles poderia ter sido usada indevidamente.
Nesta segunda-feira, por meio de um advogado, Genivaldo mudou a versão e
informou que “pode ter realizado pagamentos a pedido de outras pessoas”. No
entanto, preferiu não identificá-las, sob a alegação de que o fará apenas
quando for “intimado por autoridades competentes para prestar esclarecimentos”.
— A gente não tem nada a ver com isso, somos pessoas decentes — disse
Luciene, ainda na tarde de domingo.
— Eu não gosto nem de avião — completou o marido, na ocasião.
EMPRESA NÃO É CADASTRADA
Embora registrada oficialmente como empresa de atividades de vigilância
e segurança privada, a Lopes & Galvão não é cadastrada na Delegacia de
Controle da Segurança Privada, da Polícia Federal, como determina a legislação.
O casal afirmou que a empresa atua na terceirização de funcionários de serviços
gerais, como copeira, diarista e faxineira, para firmas de Recife. E negou
qualquer relação política com políticos ou partidos.
— É uma empresa pequena. Resume-se a uma pessoa só, que sou eu — disse
Genivaldo.
Uma de suas filhas, Sylney Lopes, de 29 anos, disse não fazer sentido a
empresa do pai bancar despesas operacionais de uma aeronave avaliada em US$ 8,5
milhões (R$ 19 milhões).
— Você acha que, se tivéssemos esse dinheiro todo, eu moraria aqui em
Tiúma? Longe de tudo, nessa rua... — afirmou, mencionando o bairro onde mora
com a família, na periferia de São Lourenço da Mata.
O GLOBO teve acesso ao registro do contrato da Lopes & Galvão com a
Líder Táxi Aéreo, para a prestação de serviços no Aeroporto de Congonhas, em
São Paulo. Antes de a empresa assumir o contrato, os serviços eram pagos pela
AF Andrade, antiga proprietária da aeronave, com sede em Ribeirão Preto (SP). O
gasto mensal com parqueamento e atendimento de um avião como o usado pelos
candidatos do PSB gira em torno de R$ 30 mil mensais. Dependendo dos serviços
contratados, a despesa no mês pode alcançar R$ 40 mil, segundo empresas do
setor.
O avião foi comprado em maio de 2014 pelo empresário João Carlos Lyra,
em sociedade com Apolo Santana Vieira e Eduardo Freire Bezerra Leite, também
empresários, para ser usado na campanha de Campos e Marina. O próprio candidato
testou a aeronave antes de a compra ser oficializada. Parte dos pagamentos para
a AF Andrade foi feita por empresas fantasmas e sem lastro financeiro para
quitar o negócio, como mostrou o “Jornal Nacional” na última semana.
O uso do mecanismo levou a PF a suspeitar que os empresários podem ter
sido usados como laranjas para a compra do Cessna por alguém ligado diretamente
ao PSB, a Eduardo Campos ou próximo a ele. O pagamento de despesas operacionais
da aeronave por meio de uma empresa pequena e de outro ramo de atuação só
reforça a tese da PF.
Oficialmente, a polícia afirma não ter recebido, ainda, pedido formal de
investigação do caso, por parte do procurador-geral da República, Rodrigo
Janot. Ele já determinou a abertura de procedimento para apurar possíveis
irregularidades na utilização do jato.
Na primeira declaração de gastos da campanha, o PSB não declarou o uso
da aeronave. Depois do acidente, o partido alegou que até o fim da campanha
pretendia contabilizar as horas de voo e emitir recibo eleitoral de doação
recebida dos empresários João Carlos Lyra e Apolo Santana. Os dois teriam doado
ao partido na condição de pessoa física.
Nesta segunda-feira, O GLOBO perguntou ao PSB quem pagou pelas despesas
operacionais do avião, se o partido ou os empresários que supostamente o doaram
à campanha. Por meio da assessoria, o partido informou que não vai se
posicionar sobre o assunto e que todos os esclarecimentos estavam em nota
oficial divulgada na última semana. O texto não responde à pergunta.
O advogado indicado por Genivaldo Galvão Lopes para apresentar sua
versão para o caso é o criminalista Ademar Rigueira, o mesmo contratado pela
viúva de Eduardo Campos, Renata Campos, para acompanhar, em nome da família, as
investigações sobre o acidente que matou o ex-governador de Pernambuco e outros
seis assessores em 13 de agosto, em Santos (SP).
ATÉ ADVOGADO ESTRANHA
Perguntado sobre a coincidência, Rigueira afirmou não ser advogado
constituído de Genivaldo, e apenas ter sido procurado por ele para obter uma
orientação.
— Ele pode ter lido meu nome em jornais, sou um profissional conhecido
em Recife — disse o defensor.
Rigueira disse considerar estranho que despesas da aeronave tenham sido
pagas por uma empresa do porte da Lopes & Galvão.
— Eles vão ter que explicar. Eu não sei (por que a empresa pagou). Você
tem razão em estar questionando isso — afirmou o advogado.
A Força Aérea Brasileira está investigando as causas do acidente. A
Polícia Civil de SP e a Polícia Federal também abriram inquérito sobre o
desastre. As duas polícias têm como outra tarefa identificar devidamente os
verdadeiros donos do jato. A informação é importante para nortear ações e
pedidos de indenização de moradores de Santos que tiveram algum tipo de
prejuízo com o acidente. Pelo menos 50 pedidos de indenização já foram
apresentados à polícia. (*Especial para O GLOBO)
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