Medição é do Laboratório de
Estudos de Mídia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Lemep/UERJ); entre
1º de janeiro e ontem, nos jornais O Globo, Folha e Estadão, presidente Dilma
Rousseff foi personagem de 1ª página 252 vezes; destas, 18 notícias em destaque
foram consideradas positivas para a imagem dela, mas em 234 oportunidades a
chamada de capa foi negativa; presidenciáveis Marina Silva e Aécio Neves
desfrutaram de equilíbrio; em matéria de notícias econômicas, quase 20 notícias
publicadas nas capas dos três jornais foram favoráveis à política econômica
oficial – e perto de 500, contrárias; pessimismo vendido em larga escala afeta
expectativas da população e busca influir diretamente no resultado eleitoral;
números derrubam definitivamente mito da imparcialidade da mídia tradicional
A
campanha eleitoral de 2014 está servindo para acabar com um mito: o da mídia
tradicional imparcial e equilibrada. De acordo com medição do Laboratório
de Estudos de Mídia e Esfera Pública (Lemep), da Universidade Estadual do Rio
de Janeiro, um forte desequilíbrio tem marcado a cobertura da movimentação dos
presidenciáveis em campanha eleitoral e, também, antes dela.
Desde 1º de janeiro e até ontem, a quinta-feira 4, a presidente
Dilma Rousseff foi personagem de 252 notícias veiculadas pelos jornais O Globo,
da família Marinho, Folha de S. Paulo, do clã dos Frias, e O Estado de S.
Paulo, dos Mesquita. Pelo critério de "valência", que aponta o efeito
do modo de edição das informações sobre o prestígio do candidato, das 252
chamadas de capa – como também é chamada a primeira página de um jornal -, nada
menos que 234 foram "negativas", enquanto apenas 18 se classificaram
como "positivas".
Para Marina Silva, do PSB, e Aécio Neves, do PSDB, o tratamento
tem sido bem diferente. O tucano experimentou, no mesmo período, 22 notícias de
1ª página a seu favor, contra 25 que podem ser chamadas de negativas. Uma
relação que foi um pouco pior para Marina (16 chamadas positivas, contra 35
negativas). Nada semelhante ao verdadeiro massacre midiático sofrido pela
presidente, como atestam os números.
A situação de desequilíbrio prossegue na cobertura da economia.
O mesmo manchetômetro do Lemep/UERJ apurou que, entre janeiro e agosto, os
destaques dos três jornais apontaram problemas macroeconômicos em quase 500
retrancas – como são chamadas nas redações as notícias em fase de edição –
contra menos de 20 apontadas como positivas.
Em seu endereço eletrônico www.manchetometro.com.br, os
pesquisadores ensinam que os critérios de valência das notícias dizem respeito
"a sua orientação em relação ao assunto noticiado. Como define Aldé
(2003), nos estudos de valência procura-se avaliar "o efeito potencial
para cada candidato, procurando esclarecer se (a notícia) beneficia ou
prejudica a candidatura em questão".
Abaixo, artigo do colaborador de 247 Ernesto Pereira, com
análise sobre os efeitos nocivos do noticiário desequilibrado nas expectativas
sobre a economia brasileira:
Há um pessimismo exagerado na economia?
por Ernesto Pereira
Os índices de confiança dos agentes na economia, que vinham se
recuperando após desabar em meados de 2013 com a onda de manifestações que se
espalhou pelo país, inverteram o movimento e passaram a cair fortemente desde o
início do ano. Não é fácil, todavia, justificar essa queda com base apenas na
situação. Isso porque, se nos últimos meses nenhuma das variáveis centrais que
afetam a lucratividade das empresas e a renda das famílias melhorou de forma
expressiva, a maioria tampouco se deteriorou significativamente.
De fato, embora a um ritmo inferior ao do passado recente, as
vendas no comércio, o volume de crédito e os salários continuaram crescendo. As
taxas de desemprego se mantêm em níveis historicamente baixos. Os custos
tributários em vários setores caíram e as taxas de juro, mesmo aumentando no
último ano, são baixas em relação ao histórico do país. A inflação, apesar
de flutuar acima do centro da meta para ela fixada, se situa em níveis
semelhantes aos que vigoraram nos últimos anos. A taxa de câmbio, mesmo em
patamar sobrevalorizado para muitos setores, permanece estável. A economia
internacional, não obstante persistam agudas incertezas e alguns segmentos
tenham sido especialmente afetados pela desaceleração argentina, vem se
recuperando lentamente. Uma deterioração moderada dos índices de confiança não
seria, assim, surpreendente, mas seu desabamento chama a atenção. Estariam
os agentes excessivamente pessimistas?
Para responder, devemos notar que a queda forte e abrupta dos
índices gerais de confiança que caracteriza esse pessimismo não se
verificou, na mesma magnitude, naqueles índices ligados à experiência
particular e concreta de cada agente. Isso pode ser visto, por exemplo, ao
comparar o Índice de confiança do empresário industrial – ICEI/CNI em relação a
sua própria empresa com o índice que busca captar a confiança desse mesmo
empresário sobre a economia brasileira.
Se até o início de 2013 ambos os índices pareciam relativamente
estáveis e flutuavam, como esperado, próximos um do outro, passaram desde
então, e mais ainda em 2014, a se afastar, com o índice geral recuando
significativamente mais que aquele que reflete as perspectivas das empresas e
melhor espelha.
A mesma situação se verifica ao comparar a evolução do
Índice nacional de expectativa do consumidor – INEC/CNI com a de um de seus
componentes, o da expectativa de compras de bens de maior valor. Ambos
evoluíam, também como previsto, de forma semelhante até meados de 2013. Desde
então, contudo, enquanto o índice de expectativa de compras, que tende a melhor
refletir a percepção do consumidor sobre sua condição objetiva, se manteve
estável, o índice geral de confiança na economia, que traduz essa condição
de forma muito mais imperfeita, caiu consideravelmente.
Estes exemplos revelam o afastamento entre, por um lado, os
níveis de confiança captados pelos índices baseados em percepções e
expectativas formadas com forte influência da experiência concreta dos
próprios agentes e, pelo outro, a confiança capturada pelos índices
agregados, que não possuem essa base e se apóiam em percepções e expectativas
moldadas com a contribuição decisiva das análises e informações fornecidas
pelos grandes meios de comunicação. Estes, especialmente nos últimos meses, têm
projetado sobre o país um cenário de crise econômica aguda, como mostra o
levantamento das manchetes sobre assuntos econômicos publicadas em 2014
até meados de agosto.
Tal cenário é amplamente difundido em um contexto que, se não é
tão sombrio como o por ele projetado, tampouco é particularmente
favorável, e, além disso, permanece carregado de incertezas, aguçadas
ainda pela proximidade do processo eleitoral. Logo, não surpreende que
mesmo com a maioria dos indicadores da situação econômica objetiva em
níveis historicamente favoráveis, embora relativamente estagnados,
os índices de confiança agregados desmoronem, traduzindo um pessimismo
generalizado.
Em sua origem, tamanho pessimismo não possui bases reais sólidas
e, por isso, é de fato exagerado. Todavia, sua permanência por um período
prolongado é capaz, ao adiar as decisões de investimento e de consumo, de
criar essas bases, justificando-o ex-post. O desafio da política, para evitar
que isso ocorra, é o de apontar essa fragilidade, ao mesmo tempo em que
busca solucionar os problemas reais que o alimentam.