O
Ministério Público do Maranhão ingressou com quatro ações civis públicas por
atos de improbidade administrativa contra os juízes Abrahão Lincoln Sauaia,
José de Arimatéria Correia Silva e Luís Carlos Nunes Freire, aposentados
compulsoriamente por decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e contra o
juiz Reinaldo de Jesus Araújo, atualmente em disponibilidade, também por
decisão do CNJ. Os processos já foram distribuídos pela Justiça.
As
ações contra os magistrados são de autoria do Grupo de Promotores Itinerantes
(GPI) e requerem a condenação dos juízes por improbidade administrativa,
inclusive com a perda da função pública. Com isso, os magistrados perdem o
cargo de juiz, que é vitalício, e, consequentemente, deixam de receber como
tal.
Os processos foram solicitados ao presidente do CNJ, Joaquim
Barbosa, pela procuradora-geral de justiça, Regina Lúcia de Almeida
Rocha, em 26 de setembro de 2013, considerando que os procedimentos ainda não
tinham sido encaminhados ao MPMA.
Contra o juiz Abrahão Lincoln Sauáia pesam casos de atuação
negligente; reiteradas liberações de valores em decisões liminares sem
contraditório, ampla defesa e garantias, inclusive com indícios de
favorecimento de partes ou advogados; distribuição indevida de feitos;
paralisação injustificada de processos, entre outros.
Em um dos casos levantados pelo CNJ (processo 1493/2007), o juiz
determinou o bloqueio online de mais de R$ 217 mil da empresa Amazônia Celular
S/A, a título de indenização e multa por atraso no cumprimento de decisão. A
empresa, no entanto, sequer figurava na decisão do processo.
Em vários casos, o juiz teria autorizado o pagamento de grandes
valores, em medida liminar, sem que houvesse a devida caução. O magistrado
também exorbitou decisão do 2° Grau do Judiciário maranhense no processo
2484/2001, quando expediu mandado de bloqueio, penhora, transferência e
intimação contra o Banco Bradesco S/A enquanto já havia decisão superior que
determinava apenas a penhora do valor.
“A atuação do magistrado se reveste pela ilegalidade, na medida
em que o resultado do ato importa em violação da lei. Essa ilegalidade conduz a
arbitrariedade; revela-se pelo excesso de autoridade, em verdade, pela prática
de atos abusivos realizados pelo à época magistrado Abrahão Lincoln Sauáia na
condução dos processos sob sua competência”, afirmam, na ação, os promotores de
justiça que compõem o GPI.
BENEFÍCIO
A ADVOGADOS
Já o magistrado Luís Carlos Nunes Freire teria conduzido diversos
processos de forma atípica, beneficiando advogados que atuam em causas pessoais
do próprio juiz. Além disso, em vários casos o juiz teria julgado processos
que, no entendimento do Ministério Público, não eram de sua competência e
deveriam ser encaminhados a outras varas.
Em outra ocasião (processo 14118/2006), Luís Carlos Nunes Freire
determinou o bloqueio judicial e posterior pagamento de R$ 1.356.000,00, em
ação contra a Telemar Norte Leste S/A, decisões que foram suspensas pelo
Superior Tribunal de Justiça. O juiz, no entanto, descumpriu as determinações
do STJ.
No entendimento do CNJ, o juiz também violou seus deveres
funcionais e de imparcialidade durante o processo eleitoral de 2008, no
município de Barreirinhas. Luís Carlos Nunes Freire foi designado para atuar na
localidade em função de impedimento do juiz titular. Mesmo após o fim do
impedimento, Nunes Freire continuou atuando nas funções eleitorais.
Ao analisar investigação judicial eleitoral contra o prefeito
reeleito, o juiz não teria ouvido a parte ré. Um dos integrantes da questão
chegou, inclusive, a ser expulso da sala de audiências por Nunes Freire. O caso
levou à cassação do registro de candidatura do primeiro colocado e diplomação
do seu adversário, embora houvesse decisão do Tribunal Regional Eleitoral (TRE)
que ordenava a “suspensão da diplomação do segundo candidato mais votado até o
julgamento do recurso por este Tribunal Regional Eleitoral”. Há informações de
que o candidato diplomado foi visto por diversas vezes no flat em que o juiz
estava hospedado em Barreirinhas, sendo a última visita na véspera da
diplomação.
“Vale ressaltar que todas as hipóteses descritas revelam o
exercício arbitrário por meio do qual Luís Carlos Nunes Freire exerceu a
magistratura, dando azo ao entendimento de que acaba por sempre favorecer uma
parte em detrimento de empresas de grande porte e instituições financeiras,
envolvendo na maioria dos casos, a liberação de vultosas quantias em dinheiro,
com restrição aos direitos de defesa dos executados, não se excluindo, assim, a
possibilidade de autofavorecimento”, observam, na ação, os integrantes do GPI.
LIBERAÇÃO
ILEGAL DE VALORES
O magistrado José de Arimatéia Correia Silva também teria
liberado diversos valores sem a existência de caução e sem o cumprimento de
exigências legais, além da determinação de prazos exíguos, como é o caso do
processo 1086/2000, no qual o juiz determinou o bloqueio do de R$ 1.447.232,05
e sua transferência para conta judicial no prazo de duas horas, sob pena de
multa de R$ 15 mil por hora.
Em outros processos, como o 6131/2003, valores foram penhorados
e liberados sem que houvesse termo de penhora e intimação do devedor para que
tivesse a oportunidade de impugnar a decisão judicial.
“Vale ressaltar que a Constituição Federal, em seu art. 37,
prevê a plena obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência, que devem reger a atividade pública, mas
que, em contrapartida, são prontamente ignorados por José de Arimateia Correia
Silva em sua atuação jurisdicional”, ressaltam, na ação, os promotores de
justiça.
IMPROBIDADE
Os atos de improbidade administrativa levantados pelo Ministério
Público do Maranhão, e que levaram o CNJ a colocar o juiz Reinaldo de
Jesus Araújo em disponibilidade, referem-se ao processo 18713/2006 contra a
Empresa Maranhense de Administração de Recursos Humanos e Negócios Públicos S/A
(Emarhp), sociedade de economia mista que tem como acionista majoritário o
Estado do Maranhão.
Na época, o magistrado substituía o titular da ação por apenas
quatro dias e, sem qualquer motivação plausível de urgência, decidiu pela
antecipação de tutela, expedindo alvarás para saques de R$ 2.047.700,29 e R$
307.155,04. Ocorre que o advogado da parte beneficiada possuía vínculo familiar
com o magistrado, pois era ex-marido da filha de Reinaldo de Jesus Araújo,
tendo dois filhos com ela.
Vale ressaltar, também, que o processo estava em poder de um dos
advogados envolvidos na questão até o dia em que foi prolatada a decisão. “Ou
seja, o magistrado requerido somente teve acesso aos autos no dia 05/09/2006 e
ainda pela manhã os analisou, proferiu a Decisão e assinou o Alvará”, observam
os promotores.
Além disso, já havia sido negado pedido de Liminar para
levantamento da quantia, que estava sendo analisado em agravo de instrumento
perante o Tribunal de Justiça do Maranhão.
“A análise do fato acima descrito deixa notório o modus operandi
arbitrário, parcial e desatento às regras legais com que o demandado exerceu a
função jurisdicional, interpretando o direito posto ao seu bel prazer apenas
para justificar medidas destituídas de quaisquer fundamentos legais”, avaliam
os integrantes do GPI.
Se condenados por improbidade administrativa, os juízes Abrahão
Lincoln Sauaia, José de Arimatéria Correia Silva, Luís Carlos Nunes Freire e
Reinaldo de Jesus Araújo estarão sujeitos ao ressarcimento integral do dano,
perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos,
pagamento de multa de até cem vezes o valor da remuneração recebida e proibição
de contratar ou receber qualquer tipo de benefício do Poder Público, ainda que
por intermédio de empresa da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de três
anos.
GPI
O GPI foi criado a partir de Ato Regulamentar Conjunto n°16/2013
da Procuradoria Geral de Justiça e Corregedoria Geral do Ministério Público.
O grupo auxilia no desempenho das atividades processuais e
extraprocessuais junto às Promotorias de Justiça, na capital e no interior,
quando o elevado número de procedimentos administrativos justificar a sua
atuação.
“A atuação do Grupo de Promotores Itinerantes vem fortalecer o
trabalho dos promotores de justiça de todo o Maranhão, reforçando o trabalho do
Ministério Público em defesa da sociedade e pelo cumprimento da lei”, ressaltou
Regina Rocha.