RIO -
Exibido na sexta e com reprise neste sábado, durante o último capítulo de “Amor
à vida”, o até então inédito beijo gay entre os personagens Félix (Mateus
Solano) e Niko (Thiago Fragoso) ficou e ficará marcado como o primeiro beijo
masculino em uma novela. Seja recebido com aprovação ou reprovação, o gesto não
passou incólume pelo espectador — o capítulo deu média de 44 pontos de
audiência e 71% de participação, segundo dados do Ibope. E, ao mesmo tempo que
vem sendo entendido como um fato histórico por alguns, provocou a ira de
outros. Nas ruas, o silêncio do suspense deu lugar a gritos de celebração. Já
no twitter, a novela ficou entre os tópicos mais comentados.
— A
novela foi um marco na quebra de paradigmas. Demonstrou para a sociedade a
convivência entre diferentes. O beijo gay diz que o mundo é para todos —
afirmou o autor Walcyr Carrasco, que assistiu à cena ao lado do elenco.
Mateus
Solano, intérprete de Félix, espera que a cena reverbere na sociedade e em
outros trabalhos daqui para frente.
— Fiz
história? Não sei se fiz história. É um pequeno passo na dramaturgia, mas um
grande passo na sociedade — reflete.
Mais do
que quebrar um tabu no horário nobre da televisão, o afago representou, acima
de tudo, uma conquista para os ativistas sexuais, festeja o deputado federal
Jean Wyllys (PSOL-RJ). A torcida era tanta que o político criou a campanha
#BeijaFelix no twitter.
— Vi o
último capítulo aos prantos. A relação do Félix com o pai, Cesar (Antonio
Fagundes) me comoveu e, claro, o beijo me emocionou bastante pelo cunho social
e político. Fiquei satisfeito, feliz, histérico. Se faltasse o beijo, sobraria
incoerência. Walcyr coroou uma questão que muitos autores já vinham abordando —
comemora Jean.
Ele
espera que, daqui para frente, o beijo entre pessoas do mesmo sexo seja
encarado com mais naturalidade, sem tanta expectativa. E mais: que, em breve,
os autores se sintam à vontade para ir além.
— Espero
ver cenas mais quentes entre iguais, a exemplo das sequências de Michel (Caio
Castro) e Patricia (Maria Casadevall).
Vice-presidente
da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais
(ABGLT), Keila Simpson afirma que o beijo teve sua parcela de contribuição, mas
ele só foi válido porque estava contextualizado.
— É claro
que o movimento gay precisava desse espaço, desse beijo. Mas, acima de tudo, é
uma vitória do ponto de vista do amor. Félix estava tão positivo, que o carinho
foi apenas um detalhe. E cenas como essa não podem entrar gratuitamente nas
novelas. Elas têm que ser, sempre, tratadas com naturalidade.
Militante
dos direitos humanos e responsável pela Coordenador Especial de Diversidade
Sexual do Rio, o estilista Carlos Tufvesson conta ter se impressionou com a
quantidade de pessoas que torceram pelo casal ao longo da trama. Inclusive
pessoas que não tinham por hábito assistir à novela.
— Quem
fez esse beijo existir não foram os gays, lésbicas, mas, sim, o povo
brasileiro, que manifestou torcida, mandou cartas para a Globo. Isso é uma
emoção — contagia-se, acrescentando que considera uma “grande vitória”.
— E
pensar que essa cena foi gravada em cima da hora. Mas a energia do amor é muito
forte. E esse casal não se beijar era tão natural que ficaria estranho —
comenta.
Se na
vida real, a cena emocionou quem torcia pelo beijo, a importância dela para os
rumos da teledramaturgia também foi grande, afirma o estudioso Mauro Alencar,
doutor em Teledramartugia Brasileira e Latino-Americana pela Universidade de
São Paulo (USP).
— Sem
dúvida alguma, a cena representou um grande avanço para a sociedade, tendo em
vista que foi consequência da história e respondeu a uma necessidade
dramatúrgica, refletindo, assim, o momento social — analisa.
De acordo
com Mauro, a cena contribuirá “para aumentar a naturalidade dessa intrincada
questão humana”.
— Sempre
e quando houver coerência com a história que está sendo contada. Cumpre dessa
maneira a telenovela o seu papel de mediadora social.
CENA
REPROVADA
Mas, nem
todo mundo demonstrou satisfação com o feito. O deputado Jair Bolsonaro (PP
-RJ) , por exemplo, não vê nada de natural no afago. E, por mais que as novelas
venham batendo na mesma tecla, “é um comportamento que a sociedade não aprova”.
— É um
exemplo negativo. Querem incutir na cabeça do povo que ser gay é normal, assim
como traição. Não acho normal. Já disse: filho bonito gay é dos outros.
Desaprovo totalmente e acho que deveria haver um respeito maior às crianças e
famílias que não aceitam — defende o deputado, que compara a homossexualidade à
pedofilia: — São duas coisas que não aprovo.
Através
de sua assessoria, o deputado Marco Feliciano (PSC-SP) diz ter achado a cena
“um absurdo”. Em usou sua conta no Twitter para se aprofundar na opinião. “Eu
teria algo a dizer caso fosse exibido numa programação infantil, pois com estes
me preocupo, mas pelo horário exibido só adultos viram”.