
droga é tão
devastadora que ela parece um furacão. Passa na tua vida e leva tudo. Eu peguei
o que tinha em casa e troquei pelo vício. Já fiquei devendo um traficante e
tive que vender meu carro para pagar a dívida. Eu andava com medo de morrer”,
revela M*, de 34 anos, em um desabafo sobre o desespero vivido por ele como
refém das drogas.
Esse é o drama vivido por milhões de pessoas em uma realidade que não define o
sexo, etnia, idade ou religião. Em todas as partes do mundo, existem famílias
inteiras devastadas por este mal, como a de M, que conheceu as drogas aos 16
anos. Ele confessa que perdeu a confiança dos pais, irmãos e amigos e foi até
proibido de entrar no prédio em que morava. Hoje, ele busca tratamento e sonha
com o recomeço. “Quero me reaproximar da minha família. A droga foi a pior
coisa que me aconteceu. Antes eu fazia de tudo para usá-la e agora faço de tudo
para ficar longe. Já sofri muito”, disse emocionado.
De acordo com o Levantamento Nacional de Famílias dos Dependentes Químicos
(Lenad Família), feito pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), pelo
menos 28 milhões de pessoas têm algum familiar dependente químico. A pesquisa
realizada em dezembro de 2013, no Brasil, mostrou que pais, tios, irmãos,
primos estão fazendo parte da lista crescente desta estatística. Dona S*, busca
ajuda para o neto nos centros de apoio aos usuários de drogas na capital
maranhense.
Ela implora por uma internação do jovem de apenas 18 anos, que é viciado e
corre risco ao dever traficantes para consumir a substância. “Ele fica me
pedindo dinheiro toda hora. Na minha casa não tem nada, nenhum móvel, porque
ele já vendeu tudo para consumir a droga. Eu não quero perder meu neto numa
morte trágica”, declara.
Esse desespero representa o medo vivido por centenas de famílias que lutam
diariamente por apoio para tratar seus parentes com dependência. Muitos
usuários esquecem os laços de origem na busca pela droga na “boca de fumo” e as
dívidas geradas resultam na insatisfação dos traficantes, colocando em risco a
vida de quem faz de tudo para alimentar o vício.
É o caso de F*, de 37 anos, que já foi ameaçado de morte e quase espancado por
dever R$ 80 reais. “Eu devia um traficante e ele me bateu muito como forma de
me avisar que se eu não pagasse a droga que eu comprei poderia morrer. É uma
vida compulsiva, quanto mais você usa mais você quer. Eles te vendem a primeira
vez e até a segunda, mas, na terceira já ameaçam. ‘E ai mano vai pagar
quando?’, ‘Tu já tá me devendo, tá se queimando, tenho que prestar contas com o
chefe’, É muito sofrimento a pressão psicológica que passamos”, lamenta.
Ele conta que acumulou muitas dívidas e que já deixou uma moto empenhorada como
forma de resguardar sua vida e de familiares. “Eu sumia por uns dias para
tentar conseguir a grana, mas, o problema é que quando eu tinha o dinheiro, o
vício falava mais alto e eu ia comprar em outro lugar com o valor para pagar a
dívida. Era uma bola de neve”, confessa. Revela ainda que pegava os celulares
dos irmãos para trocar em droga e que quase levou um tiro dos traficantes em
uma perseguição. Segundo F, eles mantinham atualizadas a “lista da morte”, com
nomes de usuários que deviam há mais tempo, independente do valor.
Atualmente, pai de três filhos, tem a família como sua base e amparo e tenta
reconstruir sua vida longe do vício. “Estou em tratamento e quero sair liberto,
de cabeça erguida e olhar para a sociedade como um homem transformado”,
sinalizou animado.
Drama real
A deficiência causada pela poliomielite aos quatro anos de idade não foi
barreira para R entrar na dependência química. Ainda criança, natural de São
Luís, o garoto foi morar com a mãe no Rio de Janeiro, no morro da Rocinha. De
forma precoce, ele experimentou as drogas aos 11 anos de idade e já entrou na
facção do Comando Vermelho da cidade maravilhosa. Ele diz que passou por todas
as fases do tráfico até chegar na gerência da boca de fumo, onde chegou a
faturar R$ 8 mil reais por semana.
Além de consumidor, ele passou a vender as substâncias, e, com tanto dinheiro
em mãos, destaca que seu maior prazer era ostentar as roupas e os acessórios de
luxo comprados por meio do tráfico de entorpecentes. Ele diz que já cobrou
muitas dívidas e que “algumas pessoas não estão mais vivas para contar
história. A ordem na facção é para matar sem dó quem está devendo”, afirma. Os
anos se passaram e ele retornou à capital maranhense, porém, desta vez sem
tanto poder aquisitivo como estava habituado e o vício falou mais alto. Para
usar a droga, fez dívidas e se afastou da família que não aceitava sua condição
de vida. Ele fala que até tentativa de homicídio já sofreu. Em tratamento aos
39 anos, R garante que se afastou do vício e enfatiza que reconquistou sua
autoestima e vontade de viver.
A influência do namorado fez C, aos 23 anos, entrar no mundo das drogas. Após o
fim do relacionamento, a desilusão amorosa foi o ponto de partida para aumentar
o vício. “Eu não tinha ânimo para trabalhar e larguei a faculdade. Me entreguei
para as drogas”. Ela desabafa que ficou grávida e o bebê faleceu dias após o
nascimento. Por consumir drogas durante a gestação, a criança nasceu com
problemas respiratórios e alergias.
Ela ressalta que nunca fez dívidas com traficantes, mas, que presenciou cenas
muito tristes, como a de um usuário que teve seu couro cabeludo arrancado por
causa de R$ 4 reais. “Quando eu não tinha dinheiro eu usava meu corpo e fiz vários
favores para consumir a droga”, sinaliza. Com 32 anos, C procurou ajuda
quando estava em alto nível de dependência e abstinência das drogas e agora
quer uma nova chance de recomeçar sua história.
Denúncia
Os familiares que sofrem com essas realidades tentam buscar alternativas para
não ver esse drama terminar em tragédia. De acordo com o delegado titular do
Departamento de Narcóticos (Denarc) de São Luís, Cláudio Mendes Pereira, as
pessoas têm medo de denunciar que seus filhos ou parente próximo estão sendo
ameaçados por traficantes. Ele afirma que muitos saem da cidade, se escondem ou
se refugiam em abrigos sociais com receio de serem atacados na cobrança da
dívida. “É raro vir alguém aqui falar que está sofrendo ameaças por traficantes
de drogas. As pessoas não têm coragem, o que fazem, às vezes, é denunciar de
forma anônima onde estão localizados os pontos de vendas”, explica.
Uma saída
Na cidade, existem alguns órgãos que atuam no tratamento de dependentes
químicos e auxiliam os usuários de drogas a reconstruírem sua vida. O Centro de
Atenção Psicossocial (CAPS), por exemplo, é um instrumento do Ministério da
Saúde e funciona das 8h às 17h30, em parceria com o Governo do Estado. O local
recebe pessoas com alguma dependência ou transtornos mentais associados ao uso
de álcool e drogas, ou pessoas que cometeram crimes devido a uso dessas
substâncias. Para Marcelo Costa, diretor do CAPS, “o acolhimento é uma forma de
tentar reduzir os danos sentidos pelos usuários com o consumo destes
entorpecentes, por meio de palestras e atividades com diversos profissionais
durante todo o dia na unidade”, esclareceu.
Ele disse ainda que muitas pessoas chegam deprimidas ou agressivas e após o
diagnóstico são medicados, com recomendação individual, para melhorar o sono, o
ânimo e diminuir as lesões causadas pela droga.
Já quem busca um tratamento mais intenso deve ir ao Hospital Nina Rodrigues,
que encaminha as pessoas para a Unidade de Acolhimento Transitório. Na UAT,
elas ficam 30 dias e são acompanhadas por psicólogos, enfermeiros, médicos,
fisioterapeutas, assistentes sociais, entre outros.
Vale lembrar que a Secretaria Municipal da Criança e Assistência Social
(Semcas), também realiza um trabalho com pessoas em situação de
vulnerabilidade, como crianças e adolescentes que trabalham na rua ou que
escolheram viver na rua por terem os laços familiares rompidos. Neste caso,
envolvidos com drogas são orientados para os órgãos de acolhimento.