São Luís, no Maranhão,
deixou há três anos de ser um local em que traficantes isolados negociavam
drogas para se tornar território de disputa de facções apoiadas por
organizações criminosas de São Paulo e do Rio.
O resultado da guerra
entre os grupos PCM (Primeiro Comando do Maranhão) e Bonde dos 40 é um rastro
de mortes nas ruas e dentro do presídio de Pedrinhas, o maior do estado, onde
62 presos morreram desde 2013. Infraestrutura frágil, falta de agentes de segurança
e de investimento público completam o cenário da escalada de violência no
estado.
O
PCC paulista e o Comando Vermelho no Rio atuam indiretamente no Maranhão.
Exportam drogas, armas e experiência aos “parceiros comerciais” PCM e Bonde.
“Esses
grupos de São Paulo e do Rio fazem uma espécie de convênio: ‘Quem fornece a
droga para vocês [facção local] sou eu’”, diz o sub-delegado-geral do Maranhão,
Marcos Afonso Júnior. “E com isso vem o armamento e o know-how, a experiência
que eles têm no Sudeste”.
Mais
antigo e numeroso, o PCM é formado por presos transferidos do interior para
Pedrinhas. Dominam o tráfico fora da capital e em parte da região
metropolitana.
A
facção começou a surgir há dez anos, mas se consolidou há cerca de três anos.
Copiou o nome do “padrinho” PCC, de quem recebe a droga que distribui no
Maranhão.
Os
primeiros contatos com a facção paulista ocorreram dentro da própria casa. É
que em 2003 e 2004 chegaram a Pedrinhas assaltantes oriundos do Sudeste,
flagrados em roubos no Maranhão.
Esse
intercâmbio do crime permitiu aos presos maranhenses entenderem como se
organizava o tráfico paulista.
A
rixa capital versus interior acelerou a formação do PCM. Relato de agentes,
presos e policiais à Folha revelam que detentos de outras cidades eram
humilhados e tinham pertences roubados ao chegar a Pedrinhas.
Há
dez anos, um detento decidiu romper a “tradição”. Moisés Magno Rodrigues, o
Saddam, chegou da cidade de Pinheiro, terra natal do ex-presidente José Sarney.
Rebelou-se
contra os colegas da capital e evitou ser roubado. Depois mobilizou presos do
interior para que também se protegessem. Hoje detido em presídio federal, é
apontado como um dos líderes do PCM.
DISSIDÊNCIA
E BARBÁRIE – Foi apenas em 2010 e
2011, quando detentos maranhenses foram transferidos para presídios federais,
que o crime passou a se organizar de fato em São Luís.
Nessas
penitenciárias de segurança máxima, líderes do PCM tiveram contato próximo com
os do PCC. Da mesma forma, presos de São Luís ainda sem facção conheceram nos presídios
federais o modus operandi do CV.
De
volta ao Maranhão, chefes dos dois grupos difundiram a ideia de que era preciso
dominar os pontos de tráfico em São Luís.
Há
três anos, bandidos de São Luís, com apoio de egressos de presídios federais,
reuniram-se para se opor ao PCM e formar o Bonde dos 40.
Líderes
do Bonde foram os primeiros a intimidar traficantes de bairro da capital
maranhense, disseminando medo. A ordem era obedecer ou sofrer represália –
leia-se morte. A facção domina hoje boa parte da região metropolitana.
A
maioria das decapitações nos motins, com centenas de facadas nas vítimas, são
atribuídas a membros do Bonde.
Pedrinhas
também abriga outros dois grupos menores: Anjos da Morte e Mensageiros do
Inferno. E são os Anjos os mais temidos pela selvageria nas execuções.
Enquanto
o Bonde decapita e esfaqueia, membros dos Anjos terminam por esquartejar a
vítima. Há relatos até de canibalismo: em motim em dezembro, teriam comido o
fígado de um dos mortos.
Um
ex-preso, testemunha de rebelião em outubro em Pedrinhas, confirma a crueldade
dos Anjos e do Bonde.
“Esse
senhor estava sentado com a Bíblia na mão quando pegaram ele. Morreu com 40
perfurações. Desfiguraram o rosto. Abriram o peito e tiraram o coração,
cortaram braços e pernas”.
A
testemunha, que pediu para não ter o nome divulgado, resumiu a fragilidade
física do presídio que, somada à permissividade na entrada de armas, fomenta o
conflito: “Enquanto tiver uma parede podre separando as duas facções, essa
guerra não acaba.”
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