Carro-chefe
da editora Abril, a revista Veja lançada na última sexta-feira (24) divulgou
como matéria de capa uma acusação de que a presidenta reeleita Dilma Rousseff e
o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ambos do PT, tinham conhecimento de
um esquema de corrupção na Petrobras. Sem apresentar qualquer prova, o conteúdo
da reportagem era baseado em suposto depoimento do doleiro Alberto Youssef à
Polícia Federal, que foi desmentido por seu advogado logo após a publicação.
Considerada a última “bala de prata” da oposição para tentar
impedir uma nova vitória petista sobre os tucanos, a reportagem foi contestada
duramente pela presidenta durante seu último programa eleitoral na TV na mesma
sexta-feira. Ainda naquele dia, a Justiça considerou a publicidade da revista
como “propaganda eleitoral” e também concedeu direito de resposta ao PT no site
da revista.
Ainda assim, o estrago já estava feito. A campanha e
simpatizantes do PSDB distribuíram panfletos com a capa impressa da revista da
Abril em várias cidades do Brasil. Já na madrugada de sábado (25) para domingo
(26), circulavam boatos de que Alberto Youssef havia sido envenenado, algo que
teve de ser desmentido com rapidez pela Polícia Federal.
“Essa operação da Veja mostra que ela não é um órgão de comunicação,
o que ela mostrou claramente é que ela é uma sala do comitê político do PSDB no
Brasil. A revista operou de maneira a desinformar. Ela desinformou”, disse o
sociólogo Sérgio Amadeu, doutor em Ciência Política pela USP. Comparando o caso
à ação midiática que ajudou a decidir o pleito presidencial de 1989, com a
eleição de Fernando Collor de Mello, Amadeu acredita que o plano da editora
Abril só não se concretizou nas urnas pela existência da internet. “Existe hoje
a internet, que não tinha naquela época. Então, se não houvesse a internet,
certamente o candidato Aécio Neves tinha ganho a eleição.”
Para o cientista político, as redes sociais apontaram um
acirramento muito grande e deixaram claro que “a linha política e o conteúdo
discursivo das forças comandadas pelo PSDB” é baseada na “estratégia do
cinismo”. Amadeu também defendeu uma reforma política para se alcançar uma
legislação mais democrática dos meios de comunicação.
Qual foi a influência da capa da revista Veja às vésperas do
segundo turno presidencial entre Dilma e Aécio?
A capa da Veja foi feita justamente para influenciar o resultado
eleitoral. Ela normalmente está nas bancas no sábado, mas saiu na sexta-feira.
E era uma capa para, inclusive, ser impressa, tanto é que a
campanha do candidato Aécio Neves (PSDB) imprimiu essa capa justamente para
manter aquele clima que eles criaram no Brasil de demonização do outro. O grupo
Abril, em particular a revista Veja, já há muito tempo é organização que
defende interesses econômicos a partir da gestão da política. Não há como dizer
agora o quanto impactou, mas eles influíram claramente na votação de domingo,
porque o Aécio conseguiu, a partir desse tipo de ação, crescer e encostar na
candidata Dilma Rousseff no segundo turno das eleições.
Como o sr. avalia o papel da internet nessas eleições?
Uma coisa que chama atenção nesse processo é que essa operação
já tinha sido feito nas eleições de 1989, com sucesso, mas não teve desta vez.
E por quê? Porque desta vez – além das pessoas já conhecerem a manobra de
grupos de comunicação misturadas à elite política econômica no caso da vitória
do Collor – também existe hoje a internet, que não tinha naquela época. Então,
se não houvesse a internet, certamente, o candidato Aécio Neves tinha ganho a
eleição, porque era o candidato preferido pelos grupos econômicos, pelos
banqueiros, pelo mercado de capitais. Inclusive oscilava a Bolsa e, se você for
ver, é muito curioso, quando as pesquisas davam a Dilma crescendo, a Bolsa
caía, o que mostra o humor desses especuladores financeiros. A internet foi
decisiva para a garantia de um debate que não existiria se fossem apenas os
meios de comunicação de massa atuando nessas eleições. Isso é bastante nítido
no processo eleitoral que ocorreu em 2014.
E as redes sociais?
As redes sociais, em particular, tiveram um papel grande e
mostraram, na verdade, um acirramento muito grande. Deixou claro, e é
importante que tudo fica registrado, qual é a linha política e o conteúdo
discursivo das forças comandadas pelo PSDB, que é baseada em preconceito, em
mentira e numa estratégia que podemos chamar de “estratégia do cinismo”. Eles
chegam a afirmar que nenhum corrupto ligado ao PSDB está preso ou foi julgado
por incompetência do PT, o que é uma coisa completamente cínica. Esse tipo de
ação, as pessoas não têm clareza de como vão lidar com isso. Agora, minha
opinião é bastante clara: é preciso mostrar concretamente o que é o PSDB do
ponto de vista da corrupção. É inaceitável que a bandeira da corrupção seja
tomada por forças da corrupção. É inaceitável.
Não tenho nenhuma dúvida do aparelhamento que (governador de São
Paulo) Geraldo Alckmin faz na Sabesp. Isso ficou nítido nas gravações mostrando
que eles são capazes de ganhar a eleição, inclusive se for para deixar uma
cidade em situação de calamidade. Nós temos que mostrar que eles são uma junção
de descompromisso com a democracia, de má gestão de recursos públicos e de
corrupção em larga escala, como foi feito em São Paulo. Réus confessos
entregaram as provas e o Ministério Público não faz nada. Então, temos que ir
para cima disso.
Temos que ir para cima do crime eleitoral cometido pela revista
Veja, temos que exigir o julgamento do mensalão mineiro antes que ele prescreva
e temos que mostrar toda a ligação que o PSDB tem com crime, com práticas absurdas.
Não podemos aceitar. E não vai ser falando “pessoal, o clima de ódio é ruim”.
Não. O clima de ódio só vai ser reduzido com argumentos verdadeiros e
racionais. Não é pedindo paz e amor, não, mas colocando claramente para as
pessoas, insistentemente, as falácias do discurso que eles reproduzem para o
Brasil. A gente tem que ser muito claro com isso, porque disso depende a
democracia, né?
O sr. acredita que o novo governo possa mudar artigos que dizem
respeito à comunicação?
Eu acho que um dos principais pontos da reforma política para o
Brasil é a reforma da comunicação. Essa operação da Veja mostra que ela não é
um órgão de comunicação, o que ela mostrou claramente é que é uma sala do
comitê político do PSDB no Brasil. A revista operou de maneira a desinformar.
Ela desinformou. Ela já havia feito isso se ligando a um criminoso chamado
Carlos Cachoeira e não aconteceu nada. O cara continua lá na sucursal de
Brasília, não foi preso, não foi condenado. Nós precisamos mexer nessas
estruturas de concentração econômica de poder, fazer uma reforma da
comunicação, uma lei de meios, como a da Argentina. E nós precisamos também de
uma reforma política que retire o poder do capital, que retire o financiamento
privado de campanha, mas que permita também à gente avançar em questões
cruciais da sociedade brasileira. Com uma Constituinte que não possa ser com
estes deputados, que tenha que ser exclusiva. O deputado que quiser fazer essa
Constituinte só poderá se candidatar para isso, para discutir as ideias e o futuro
do país, e não para vir com esquemas que a gente sabe que eles articulam, de
grandes corporações, de forças que bancam campanhas milionárias. Precisamos de
uma reforma política com uma Constituinte exclusiva e, nesse contexto, uma
reforma das comunicações.
Por que os partidos têm tido certa dificuldade em atingir os
jovens na internet?
A internet não é contraposta aos partidos, mas é que a
velocidade das comunicações e as relações intensas que existem na internet
geram muitas dificuldades para os partidos, principalmente para legendas
partidárias que são estruturas mais orgânicas. Por exemplo, o PSDB adotou e
atuou como estratégia na internet, e não é de agora, de desconstruir seus
opositores, no caso o governo federal e o PT.
E os tucanos fazem isso destilando preconceitos e coisas
absurdas. Se for ver o que dizem dos nordestinos, dos gays e das opções
políticas das pessoas, beira ao fascismo. Agora temos que ver o que os partidos
que são propostas democráticas e de esquerda podem refazer utilizando a
internet, mas é muito difícil fazer política só pelas estruturas partidárias.
Hoje, está muito claro que não é só o partido o elemento que faz política. Há
outras formas de se fazer política, inclusive com conexões, grupos e coletivos
de ativistas na internet.